A Bruxa da Sapolândia, a história de uma mulher, um crime, uma lenda. A história real de Célia de Souza ficou marcada e eternizada no imaginário dos brasileiros desde o final da década de 60. Essa história macabra da brasileira acusada de ser uma bruxa, chocou e continua a chocar as pessoas até os dias de hoje e virou até livro. Vamos explorar essa história juntos: A Bruxa da Sapolândia: História Real da Bruxa Brasileira.
Em 1969, Célia de Souza foi presa, acusada de matar e enterrar perto da sua casa, ao menos seis crianças em Campo Grande, Mato Grosso do Sul. Mas a curiosidade e as suspeitas em torno de Célia começaram muito antes desse crime terrível.
O que são bruxas
As bruxas são personagens já bastante conhecidos na história. Tradicionalmente elas são associadas a poderes mágicos, ritos ocultos, conexões com o sobrenatural e divindades pagãs. Historicamente, a caça às bruxas teve seu auge durante os séculos XVI e XVII na Europa, quando milhares de pessoas, principalmente mulheres, foram acusadas, julgadas e condenadas sob alegação de bruxaria.
A imagem das bruxas, culturalmente, tem sido representada de diversas formas, desde a grande bruxa malévola e assustadora dos contos de fadas até a bruxa sábia, curadora e com uma grande conexão com a natureza retratada em algumas culturas pagãs.
Cansou de ler? Confira nosso vídeo especial sobre esse caso:
Porque Sapolândia?
Para começar a contar essa história, acho importante dar contexto em algumas coisas, primeiramente porque Sapolândia?
Na época, Célia era uma mulher de 49 anos e morava no bairro Taquarussu em Campo Grande, esse local era conhecido por ser repleto de anfíbios, e esse animais ao anoitecer começavam a coaxar, e era um coaxar muito alto por isso, a região ficou conhecida como Sapolândia.
Célia antes do crime
Segundo o autor do livro “A Bruxa da Sapolândia”, Célia nasceu no ano de 1920 no então estado de Mato Grosso… 49 anos mais tarde, seria acusada de um crime terrível.
Os boatos sobre ela se iniciaram bem antes dos crimes que vou contar nesse artigo. Na sua vizinhança, Célia era considerada uma bruxa pelos moradores, porque fazia feitiços… Ela era conhecida por fazer amarrações, costura na boca do sapo… Essas atividades já deixavam os moradores da Sapolândia com um pé atrás, muito pelo preconceito e pela ignorância… Essas duas coisas geralmente andam juntas, né?
Naquela época era comum que os pais precisassem deixar a casa por um período mais longo , geralmente porque iam trabalhar em fazendas, e como não tinham com quem deixar os filhos, haviam muitas cuidadoras de crianças nesses bairros. Célia também era uma dessas cuidadoras e as crianças chegavam a ficar meses com ela.
A denúncia do crime
Vamos à história de fato, o crime macabro do qual Célia foi acusada. Vamos do começo… Em 11 de Janeiro de 1969, José Fernandes e seu cunhado Bertolino Larson, relataram ao delegado do bairro Amambaí uma história que ficaria marcada para sempre por sua natureza cruel e pela sua possível autora.
Segundo o relato, Célia de Souza seria a responsável pela morte de quatro crianças através do espancamento, fome, maus-tratos e rituais sinistros. A polícia, após ouvir os relatos, foi à casa de Célia, onde a prendeu de imediato. O companheiro de Célia, João Luis da Silva, de 26 anos, e o pai de uma das crianças, Bertolino Larson (um dos que foram à polícia fazer a denúncia) também foram presos.
No quintal da sua casa, ela indicou onde estavam enterradas duas das crianças, um menino e uma menina. Em covas rasas foram encontrados os corpos de Aparecido Jesus Larson, de 3 anos de idade, e de Dirce da Silva, de 7 anos de idade, filha de Joaquim Manoel. Aparecido era o filho de Bertolino, uma das pessoas que denunciaram a Célia e que também acabou preso, nós vamos ver o motivo da prisão dele mais pra frente nesse artigo.
Foi nesse momento, em que ela mostra os lugares onde as crianças estavam enterradas que a icônica foto de Célia, agachada sobre as covas e fumando um cigarro foi tirada.
Faltava saber o paradeiro do corpo de mais duas crianças. Em outra casa, numa vila identificada como Anair, onde a acusada tinha morado antes, a equipe procura pelo corpo de Catarina, que também era filha de Joaquim Manoel, que teria morrido com apenas 2 meses de vida.
Nessa casa, Célia também aponta os locais para a escavação, porém, a polícia desiste da busca alegando a existência de uma plantação de mandioca no local… Catarina nunca foi encontrada.
A quarta vítima, Renato da Silva, também filho de Joaquim Manoel, foi sepultada normalmente no cemitério Santo Amaro, depois de morrer no imóvel de Célia, onde foram encontradas as covas das outras das duas primeiras crianças.
Entendendo o crime
Certo, agora nós já falamos da prisão dela e das vítimas que foram encontradas, vamos entender melhor esse caso, como Célia tinha acesso a essas crianças se o povo da Sapolândia já tinha o pé atrás com ela?
Segundo o próprio processo, Célia já conhecia as familias envolvidas nesses crimes sinistro, lá da cidade de Rio Negro, de onde ela veio para Campo Grande. Célia teria os convidado para viverem todos juntos em sua casa e isso aconteceu. Em torno de 10 crianças chegaram a conviver na mesma casa.

Quando os pais precisavam trabalhar nas fazendas, algumas vezes, ficavam meses fora, Célia era quem ficava cuidando das crianças. Isso explica como ela tinha acesso a todas essas crianças sem supervisão e por qual motivo.
Segundo André Alvez, autor do livro “A Bruxa da Sapolândia”, livro baseado na história de Célia, “Existiam várias cuidadoras excelentes aqui. Pessoas que tinham orgulho e que cuidavam muito bem das crianças”. Mas esse não era o caso de Célia de Souza.
De acordo com André: “As crianças iam ficando desnutridas, a alimentação era muito precária. As crianças eram alimentadas com chás de cascas de mandiocas, bananas verdes picadas e elas foram ficando desnutridas. Fora os sofrimentos, porque ela fazia as sessões de magia dela, que iam muitas pessoas, e ela usava essas crianças, batia, sacrificava, usava sangue, essas coisas”.
As outras prisões
E agora vamos descobrir, porque um dos denunciantes também acabou preso nesse caso. Bertolino Larson, pai de uma das crianças, também foi preso, como eu disse no começo deste artigo.
Larson, teria sido preso por ter ajudado Célia a enterrar as crianças de forma clandestina e também por suspeita de estupro e tentativa de estupro contra duas filhas suas. Agora o que foi que ele achou que ia conseguir ao denunciar um crime que ele participou, eu já não sei. Talvez Bertolino tenha achado que conseguiria jogar toda a culpa em Célia e sair livre… Bom, se foi isso, não deu muito certo.
O que Célia disse?
Mas o que Célia disse sobre todas essas acusações? Até agora nós só vimos o que falaram sobre a então conhecida como, Bruxa da Sapolândia, mas o que ela tem a dizer?
De acordo com os registros, Célia teria admitido a morte das crianças mas nega qualquer trabalho espiritual nela. A acusada afirmou ter parado de atuar (espiritualmente) quatro anos antes da morte das crianças.Quando fazia trabalho espiritual, Célia, disse que somente administrava o que é descrito como água florida.
Segundo o depoimento dela, os pais sabiam de tudo o que ocorria com as crianças aos seus cuidados, e em determinado momento, Célia teria sugerido, a uma das famílias, procurar atendimento médico quando uma das crianças começou a ficar debilitada.
Ela também conta ter comprado Biotônico Fontoura e um outro fortificante para dar às crianças, e afirma não ter administrado remédios caseiros.
Por fim, Célia afirma que uma das mães, que nunca foi ouvida pela polícia, sugeriu o enterro do filho no próprio quintal.
O que os homens disseram?
Já os homens, tanto os que a denunciaram, quanto seu companheiro na época, Célia era violenta. Segundo eles, ela espancava os menores e os alimentava com uma espécie de lavagem. Todos os ouvidos revelavam ter medo de Célia.
Em depoimento à polícia civil, João Luis da Silva, disse que Célia o agredia. Ele também disse que não concordava com o que ela fazia. Em seu depoimento ele chegou a dizer que era agredido pois não queria “compartilhar dos instintos bestiais de fera humana”.
Nesse ponto, é importante lembrar que o companheiro de Célia é definido o tempo todo como “alguém sem instrução”, o que torna difícil de acreditar que ele teria dito, exatamente essas palavras “instintos bestiais de fera humana”, e seu depoimento foi datilografado por uma outra pessoa.
Já em seu depoimento à justiça, ele foi bem mais sucinto e simplesmente negou ter presenciado qualquer cena criminosa praticada por Célia.
Bertolino (aquele mesmo que foi preso logo depois), disse que foi à polícia denunciar a morte do filho depois de fugir da casa da Célia, com seus outros cinco filhos a fim de evitar os maus-tratos, da então Bruxa da Sapolândia.
As falhas da investigação
Não é novidade que o trabalho policial evoluiu muito desde aquela época. Na data destes acontecimentos a polícia cometeu alguns, para não dizer, muitos erros e é isso que nós vamos ver agora.
Célia, foi presa imediatamente após as acusações feitas em 11 de Janeiro por José Fernando e Bertolino Larson, o último, que também foi preso por acusações bem sérias. O companheiro de Célia, de 26 anos na época, também foi preso por supostamente ter participado dos tais rituais.
Ao prenderem Célia, ela mostra aos policiais os locais onde estão enterradas duas das crianças. Elas são encontradas onde ela indicou, a polícia também vai a outra casa em que ela morou onde a suspeita também indica o lugar onde estava enterrada uma das crianças, nesse caso a Catarina. Mas aqui acontece uma coisa inusitada, a polícia não procura por Catarina no terreno indicado pois alegam que no local havia uma plantação de mandioca… De longe um motivo bem fraco para não se procurar o corpo de uma criança desaparecida.
As acusações
Mais um erro é destacado nessa história. A prisão preventiva dos 3 suspeitos foi expedida, e nela, o responsável em sua decisão escrita a próprio punho, destaca o fato de um dos motivos para a prisão deles seria para prezar pela comunidade do local, já que essa seria uma comunidade “cristã”. Essa parte da história pode ser interpretada como intolerância religiosa, já que Célia era conhecida como “macumbeira” na região e era tratada diferente pelos moradores por conta disso.
Menos de um mês depois da prisão a promotoria apresenta a denúncia contra os três presos, Célia de Souza, João Luiz da Silva e Bertolino Larson.
- Célia foi acusada de lesão corporal seguida de morte, ocultação de cadáver e curandeirismo;
- João também foi acusado de lesão corporal seguida de morte, ocultação de cadáver e curandeirismo (basicamente as mesmas acusações de Célia);
- Bertolino foi enquadrado em abandono de incapaz, ocultação de cadáver e estupro.
A peça acusatória possuía apenas três páginas e as partes que se destacavam são essas a seguir:
“Consta do incluso inquérito policial que a acusada Célia de Sousa e seu amásio João Luiz da Silva, em 1967, na Vila Afonso Pena (Sapolândia), nesta cidade, a pretexto de tratar e curar e cuidar dos menores Renato, Catarina, Dirce e Jesus (os três primeiros filhos de Joaquim Manoel da Silva) e o último filho de Bertolino Larson), os espancaram quotidianamente, além de lhes infligir maus-tratos”.
“Desses espancamentos, curandeirismo, maus-tratos e falta de assistência médica, vieram a falecer os menores acima citados, na seguinte ordem: Renato em janeiro de 1967, Catarina em maio de 1967, Jesus Aparecido em agosto de 1967, e Dirce em outubro de 1967”.
A absolvição dos acusados

Com essa quantidade de erros na investigação e nos procedimentos comuns da polícia, não demorou muito para os 3 envolvidos serem inocentados. Em 1971, 3 anos depois da prisão, o juiz responsável pela sentença declara que o caso era um “amontoado de incongruências, contradições, dúvidas e desgraças”.
O juiz também aponta as falhas da investigação: “Os autos somente nos trazem dois autos de exumação relativos a menores Dirce da Silva e Jesus Aparecido Larson, nada existindo nos autos com relação aos menores Renato e Catarina, mencionados pela acusação”
“E o que provam tais exames quanto às lesões sofridas pelos menores, atribuídas pela acusação aos mencionados acusados? Nada.”
“Como então, admitir-se como provada a morte dos menores em consequência de tais lesões? Morreram, é verdade, quem sabe lá se não foi como têm morrido milhares de seres humanos, vítimas de suas próprias desgraças e ignorâncias, desamparo; a fome e a debilitação”
Com as palavras do juiz veio o alvará de soltura de Célia de Souza, João Luiz da Silva e Bertolino Larson. Mas e então? O que aconteceu com a Bruxa da Sapolândia? Depois de inocentada, basicamente por falta de provas, ela voltou a viver na Sapolândia?
Bom, sobre Célia nada sabemos, depois de solta ela desapareceu e não voltou a morar em sua velha casa. João Luiz da Silva, antigo companheiro de Célia, também sumiu sem deixar rastros. O único que temos registros é Bertolino, que viveu até 2012 quando teria sofrido uma queda em casa e acabou morrendo em uma cirurgia.
Considerações finais
Essa é a história da Bruxa brasileira, a Bruxa da Sapolândia que deu origem ao livro de mesmo nome. Mas a pergunta que fica é, será que ela era mesmo uma bruxa ou esse é mais um caso das pessoas, por ignorância ou maldade, julgarem uma pessoa diferente como bruxa ou maligna?
A investigação da polícia pouco nos ajuda a tomar essa decisão. Uma polícia despreparada, com poucos recursos e carregada de preconceitos que cometeu diversos erros durante toda a investigação, teria prendido inocentes ou teria deixado monstros escaparem por não terem investigado da melhor forma possível?
Essa e outras perguntas, nós não temos como responder e só nos resta imaginar… Eu espero que você tenha gostado desse artigo e da forma como eu contei toda essa história. Você pode ler mais artigos como esse em nosso blog. Não deixe de conferir nosso canal no YouTube para mais história surpreendentes como esta.
Até a próxima.
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